04/04/11

signo dos peixes

2.

Tinha um charuto fininho
guardado num armário por cima da bacia.
Há que tempos que estava ali arrumadinho,
o plástico onde se põe a boca da cor do marfim,
à espera que o chupasses ensopando-o de cuspo
e depois arrotasses lançando-me o teu bafo.
A boca arredondada que o teu filho já usa
como um relógio - que legas como herança -
teu único tesouro.
A boca redondinha de bardot do engate
de rufião do cais
não fumou o charuto que estava ali à espera.
Larguei-lhe do meu fogo soprando-lhe o tabaco
sobre três rosas que tenho aqui murchando
metidas num bocal de água salobra e turva.
O gozo que me deu fumar o teu charuto
mandar-te para o ar no fumo que espalhei
sobre um frasco de mel
foi quase tão intenso como o que me circula
quando ma língua bífida, certeira no seu salto,
me desfere a picada no clitoris que negas.
Na tua geografia é zona indescoberta,
no teu mapa de cama o nosso clitoris é zona demarcada
com traços paralelos como grades da jaula
de um vírus perigosíssimo.
O macho que se mexe nas ancas que tu gingas
na tolda de uma rua
percorrendo a cidade de um passo de navio
ignora o sabor que dele se desprende
quando a língua lhe bate, como na pedra o sílex
soltando-lhe a faísca.
Como hortelã esmagada colhida junto ao poço
conserva à superfície dos poros de cada dedo
um agreste perfume.
Na mucosa que forra certas bocas por dentro,
cortinas de damasco de um espesso aveludado
caindo em dobras soltas,
fica o sabor cru
de um clitoris esmagado
que passa se se bebe um vinho martelado
da cor de uma romã.
Que pena que me dá que não possas chegar
ao balcão da taberna
e se viesse um copo roxo de vinho tinto
como a túnica velha do Senhor dos Passos
do mármore lhe pegasses,
engolindo-o bebesses
a nata que se coalha num sexo de mulher.
Como o orvalho na folha assim se cristaliza
o florão na talha.
Parreira que ensombrece o tecto de uma igreja.

in Fátima Maldonado, Cadeias de Transmissão, 1998, Frenesi, Lisboa: 18-20.

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